CONTEXTO

A concepção do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira visa evidenciar a importância dos povos negros na constituição identitária, cultural e artística do país. Em uma abordagem que valoriza e reconhece a contribuição dos afrodescendentes na formação da civilização brasileira. A necessidade de qualificar as matrizes culturais do Brasil surge como uma resposta fundamental para reverter o discurso reducionista que historicamente exclui e desvaloriza as influências africanas e indígenas, privilegiando apenas as matrizes europeias no projeto de construção da nação.

Ao longo do tempo, o discurso predominante na historiografia oficial negligenciou o que, no cotidiano da formação do Brasil desde o século XVI, representou vida, trabalho, invenção, resistência e contribuição civilizatória de diversos grupos étnicos. Esses grupos foram subestimados e relegados a papeis invisibilizados, resultando em uma árvore genealógica do Brasil que também foi uma árvore do esquecimento.

A criação do museu dedicado à cultura afro-brasileira surge como uma árvore da lembrança, contrapondo-se a tendência histórica e colocando a produção cultural e artística dos negros no centro da vida brasileira. Por muitas gerações, os descendentes africanos clamaram por essa iniciativa, enquanto sombras e cortinas impenetráveis prosperavam, perpetuando a ignorância, o desconhecimento e o preconceito. Esses obstáculos moldaram visões marginalizadas da rica contribuição dos afro-brasileiros, que é um ingrediente essencial para a grandeza do Brasil contemporâneo.

A cidade de Salvador, reconhecida como a capital mais negra fora da África – com 82% da  população autodeclarada negra – , abriga o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira – MUNCAB, uma resposta contemporânea que realiza o sonho de várias gerações. A própria comunidade afrodescendente foi precursora dessa ideia, criando diversas casas de cultura em todo o território nacional, modestos memoriais na tentativa de preservar o legado deixado por seus ancestrais, que foi e é fundamental para moldar a cultura brasileira em sua riqueza e diversidade. Por onde o negro passou no Brasil, não importando em que condição, deixou marcas de sua presença. Nas regiões onde essa população estabeleceu famílias, deixou formas de expressão, conhecimentos e saberes que perduram até hoje, constituindo o que chamamos de diversidade cultural brasileira.

Os precursores dessa imperativa necessidade de destacar os saberes e fazeres que os afrodescendentes contribuíram para o processo civilizatório do país foram eles próprios, os negros. Esses esforços podem ser observados nas práticas clandestinas nas senzalas, nos usos e costumes de origem africana e até mesmo nos quilombos, que representam uma magnífica expressão dessa capacidade inalienável de preservar seus valores por se identificarem como essenciais para a construção da vida e da sociedade. Os remanescentes dos escravizados, ao aprenderem e praticarem esses conhecimentos, produziram e preservaram saberes necessários para o crescimento material e imaterial e das sociedades organizadas.

Mais recentemente, essa prática de conservação das tradições, da concepção de vida e do mundo, das técnicas de transformação da realidade, da celebração da existência, dos saberes, dos fazeres e do patrimônio material e imaterial tem se concretizado em pequenos e modestos memoriais que contam a trajetória de seus ancestrais até os contemporâneos. Essa transmissão contínua ao longo de várias gerações e assume a missão de guardar e processar os signos e significados da presença afrodescendente no processo formativo do país.

Em todo o território nacional, existem centenas de organizações criadas para processar e preservar esses conhecimentos, cultuando referências históricas dentro de sistemas que integram religião, diversas formas de arte e ofícios, como escultura, música, capoeira, danças, culinária, medicina, botânica, economia, política e filosofia.

A tarefa de nomear esses precursores é imensa e é uma missão que o MUNCAB espera cumprir. Parte desses precursores foi localizada por meio de estudos e pesquisas nas áreas de antropologia, sociologia, estética e uma vasta e nova literatura que desconstrói mitos e preconceitos, recuperando os valores que foram negados ao longo dos séculos.

Antes de registrar os eventos do período de criação da AMAFRO, é preciso apresentar algumas iniciativas anteriores surgidas na Bahia, entre as quais a proposição de Juana Elbein, que junto com o mestre Didi, criaram a Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil – SECNEB. Também, foram criados memoriais em terreiros de Candomblé, como o de Mãe Menininha do Gantois, o do Ilê Axé Apô Afonjá, orientado por Mãe Stella de Oxóssi, e o de Mãe Mirinha, em Portão, Lauro de Freitas. O resgate destes precursores é fundamental, como é desnecessário dizer que surgiram em outros Estados iniciativas correspondentes, sendo que o Museu Afro, localizado na antiga Escola de Medicina, com origem no CEAO/UFBA, é pioneiro oficial de grande importância. Segue-se a esta tendência de preservação e reflexão, o Museu Afro Brasil, criado em 2004 em São Paulo por Emanoel Araújo.

HISTÓRICO MUNCAB

A criação da Sociedade Amigos da Cultura Afro-Brasileira – AMAFRO se deu consorciada ao projeto de implantação do Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira – MUNCAB, idealizado por manifestação expressa de representantes de organizações governamentais e não governamentais e referendada em seminário promovido pelo Ministério da Cultura – MINC, através do Programa MONUMENTA-MINC, realizado em Brasília/DF, no dia 21 de novembro de 2002, contando com a participação de dirigentes do Ministério, representantes da Universidade Federal da Bahia, de expoentes do cenário cultural brasileiro e das comunidades de afrodescendentes – líderes, intelectuais do movimento negro —, e de organizações da sociedade civil.

Os fundamentos estatutários da AMAFRO foram consagrados numa ampla assembleia que reuniu políticos, cientistas, historiadores, economistas, antropólogos, artistas, representantes de terreiros e dos blocos afros, educadores, pesquisadores, pensadores e militantes da causa negra, oriundos de diversas tendências, unidos pelo ideal do resgate e pela missão de inverter os sinais históricos da negação, afirmando a pluralidade cultural, a liberdade de culto, o respeito às diferenças, são eles: Capinan, Ubiratan Castro de Araújo, Emanoel Araújo, Jaime Sodré, Yeda Pessoa de Castro, Mãe Stella de Oxóssi, Olga de Alaketo, Ana Célia, Cecília Soares, Mariaugusta Rocha, Vovô do Ilê, João Jorge, Jorge Portugal, Gilberto Gil, Muniz Sodré, Dulce Guedes, Carlos Marighela, Angela Andrade, dentre outros.

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