AMAFRO propôs a implantação do Museu Nacional Da Cultura Afro Brasileira ao MINC e justificou sua criação, definindo alguns conceitos, explicitando que era necessário criar uma casa de cultura útil à comunidade, sobretudo aos afro-descendentes, e que também fosse contemporânea na sua concepção e auto sustentável. Seu foco principal seria a preservação e a difusão da cultura afro brasileira, sendo o Museu um instrumento de revelação da grande contribuição dos negros escravos e seus descendentes na criação de uma cultura bem sucedida rincipalmente pela sua diversidade, com o objetivo de promover o que tanto tem sido discriminado e negado, que é o valor fundante desta contribuição. Os negros deram à cultura nacional a capacidade de se desenvolver pela dinâmica das diferenças …
A AMAFRO propôs a implantação do Museu Nacional Da Cultura Afro Brasileira ao MINC e justificou sua criação, definindo alguns conceitos, explicitando que era necessário criar uma casa de cultura útil à comunidade, sobretudo aos afro-descendentes, e que também fosse contemporânea na sua concepção e auto sustentável. Seu foco principal seria a preservação e a difusão da cultura afro brasileira, sendo o Museu um instrumento de revelação da grande contribuição dos negros escravos e seus descendentes na criação de uma cultura bem sucedida, principalmente pela sua diversidade, com o objetivo de promover o que tanto tem sido discriminado e negado, que é o valor fundante desta contribuição. Os negros deram à cultura nacional a capacidade de se desenvolver pela dinâmica das diferenças que a compõem. E tudo isto tem de ser revelado e difundido, pois o negro foi o pólen cultural que fecundou as civilizações contemporâneas.
Um museu pra fazer diferença. Como casa de difusão da cidadania de todos os homens, sem distinção. Assim queremos porque desejamos que as musas do Museu Afro sejam os ancestrais e a inspiração que os exemplos da resistência e da invenção podem trazer, usando, como bússola, a busca de um futuro que respeite e aproveite a memória de todos que contribuíram para este presente. Um presente onde se apresentam problemas novos e complexos, quase enigmas, mas que um grande elenco de caminhos já abertos ajudará a vencê-los, se revelados e postos a disposição de todos, como o legado dos que venceram nos momentos adversos da nossa história, quando ultrapassaram o seu tempo, nos deixando não somente o que lembrar e celebrar, mas ainda um imenso repertório de referências para enfrentar vitoriosamente quaisquer adversidades atuais e futuras, que tivermos de superar.Idéias e instrumentos, um arsenal cultural, que nos permite dizer que cultura também é o que se deixa no caminho a serviço do sucesso e da felicidade das novas gerações.
Uma casa de cultura para experimentar a diversidade. Um foco para clarear corações e mentes, difundindo a cultura da alteridade. Onde a diferença se faça valer pelo fazer. Pelo ser cultural. Um Museu da memória e da invenção, com raízes fortes, bem assentadas, e antenas contemporâneas, bem sintonizadas, para receber antecipadamente os sinais dos novos tempos.
Minha geração começou a ler o mundo e a entender que tinha o direito de modificá-lo no Centro Popular de Cultura, forte movimento nacional liderado pela UNE nos anos 60. Fazer cultural como transformação. E este conceito ainda hoje prevalece. Até que não haja cidadão de primeira e segunda classe, em nenhuma nação, será necessário fazer centros de difusão como este futuro Museu Nacional da Cultura Afro Brasileira, um lugar para produzir “ogans” de transformações radicais, considerando o homem como a raiz de tudo.Ou seja, promover culturas radicalmente humanizantes.
Museu não é apenas casa de cultura destinada a guardar o que foi feito. É para fazer e refazer o sentido das coisas que foram feitas para fazer algum sentido, não somente naquele momento, mas em qualquer tempo em que for necessário ensinar e inspirar aos homens e mulheres sentidos mais justos, mais belos e verdadeiros. Neste caso, para manter vivo o que viventes escravos e negros livres quiseram dizer, fazendo arte, fazendo religião, fazendo história, fazendo com grande amor e padrões étnicos – um eterno compromisso com a liberdade de querer que a vida faça sentido para todos, sem importar a cor da pele, entre os que só podem ser diferentes pela diferença que fazem. Somos o que fazemos. Este Museu será um centro de referência para mostrar o que os negros e mestiços foram e são, mostrando o que eles fizeram em todos os campos do conhecimento.
Aprender a olhar para ensinar a ver, ensinar para que outros se vejam e se façam, como ser que pertence a um mundo que se transforma, e onde cada um tem o direito e dever de participar e ser inteiro e feliz. Um museu pode ser uma escola de alteridade. Um lugar para fazer pessoas aptas a entender novas condições e criar novas alternativas. Podendo compreender, no que foi feito, o imanente espírito de transformação. Podendo ser e praticar o conhecimento e as técnicas contemporâneas que nos tornam aptos para um mundo diferente que é preciso construir. Transformar dores em sonhos. Sonhos em realidade. Dificuldades não em queixas, mas em reflexão e ação. Em práxis. Fazer das crianças das cidades e do campo, no Brasil e no mundo, como as de Salvador ou de qualquer outra cidade baiana, de qualquer bairro e qualquer cor, cidadãos do mundo. Fazer o mundo conhecido para nós, e nos fazermos conhecidos pelo mundo, através de intenso intercâmbio.Conscientes da casa que queremos, do bairro que queremos, da cidade que desejamos, da Bahia, Brasil e do mundo que é preciso saber desejar e saber fazer.
No Museu Nacional da Cultura Afro Brasileira poderemos transformar adolescentes em pessoas reais, que existam para seu corpo, seu espírito e seus símbolos. Esta casa deve abrigar todos os que acreditam, para que possam aprender no interior de sua crença a ponte para os que vêem o mundo com outros olhos, seus próprios olhos, que cada um tem, sua própria alma, sua própria herança. Aqui podemos transformar pessoas em Ogans da Alteridade.
Não importa o preto, o branco, o mestiço, que entre nessa casa de Cultura. Importa sim que ele aprenda o seu significado como parte de um todo, que precisa não só ser respeitado, mas às vezes ou sempre ser transformado. Aqui deve ser a casa de Zumbi e outros ancestrais que tornaram possível estar aqui e agora. Mas também a casa das sacerdotisas e sacerdotes das diversas nações, contemporâneos de outros territórios de crença, como D. Giglio, como Mandela. A casa de Bob Marley e o Bispo Tutu. Também a casa de Luiz Gama e Castro Alves, e de muitos outros e mais ainda dos anônimos, que sem o nome na história a fizeram e estarão sempre representados nesta casa. A casa de artistas, pesquisadores, cientistas, educadores, uma casa que pode manter os padrões culturais que nos interessam e nos deram oportunidades. Que saiba fazer a distinção entre o que interessa cultivar e o que deve ser abolido para sempre. Este museu será uma casa para cultivar a cultura da democracia, da tolerância, da invenção, do conhecimento, da reflexão e da mudança. Porque existem culturas a combater. A cultura do medo, a cultura da indiferença, a cultura da violência, a cultura do racismo, as culturas da discriminação racial, social, etária, sexual, a cultura de quaisquer preconceitos, todas estas culturas devem ser combatidas e abolidas. Com a ciência, com a arte, com a religião, com as técnicas de fazer cinema, vídeo, poesia, literatura; com as técnicas de fazer engenharia, arquitetura, medicina, com o debate e a reflexão gerados pelo interesse do esclarecimento e da construção; com as orações e os rituais religiosos. Com o artesanato e a indústria cultural. Com a comunicação oral, com o telefone nagô e a Internet. Com tudo que faça valer a diferença.
Não eclético, mas múltiplo. Que possa revelar conteúdos diferentes por diferentes caminhos e processos. Um museu que possa viver de seus conceitos e suas práticas, auto sustentável. Que possa sobreviver às dificuldades do Estado. Criando um modelo onde a sociedade esteja presente e participe. Sem abençoar o dirigismo cultural e sem criar dependência do mecenato oficial. Com função crítica e transformadora. Útil para a comunidade, para a cidade e a cidadania.Uma instituição que possa ser dinâmica, e sirva à sociedade e ao tempo. Que tenha objetivos e políticas não patrimonialistas e assim encontre na parceria e na cooperação o seu modelo institucional, com pessoas e empresas voltadas para novas formas de gestão e convivência empreendedora e libertadora.
Ele não é nosso. Os verdadeiros donos deste projeto são os viventes vencedores dos navios negreiros, negros e índios, que lutaram para que a cultura brasileira não resultasse apenas de uma imposição européia, de uma única contribuição, mas de uma grande mescla, tornando a cultura brasileira a diversidade mais bem sucedida do planeta.. Queremos reconhecer os pioneiros desta idéia, Muitos já fizeram esta tentativa de caminhar e ainda estão aqui caminhando conosco. Temos de reconhecer o pioneirismo de muitos militantes culturais que sonharam casas de cultura como esta e mantém preciosos memoriais às custas de suas fiéis comunidades.
Aqui vamos experimentar estes conceitos. Aqui devemos eleger esta práxis. Aqui devemos sustentar esta prática, com a solidariedade institucional e com a guia do fazer cultural. Um museu da história, sim, mas também da arte e da ciência. Um Museu étnico, sim, mas também ético e da mescla. Um museu do candomblé, sim. Mas também dos afro descendentes de outras crenças… Um museu da fé de todos e não da descrença de alguns na alteridade e na mestiçagem. Um museu que expresse a história dos conflitos que enfrentamos, sua complexidade, um Museu que não seja redutor, mas combine os múltiplos conhecimentos e oportunize múltiplos fazeres, que tenha multivocidade, para buscar sínteses cada vez mais amplas a cada movimento de seu refletir e fazer… um museu que se instale a serviço de um bem maior e alcançável: a permanente invenção de uma civilização brasileira que tenha na diversidade seu grande trunfo e triunfo…
José Carlos Capinan
Médico, Poeta, Compositor e Presidente da AMAFRO